quarta-feira, outubro 17, 2007

A ESTRELA SOLIDÁRIA

O Sol, indiferente, como se de um deus se tratasse, carregava violentamente sobre os seus insignificantes súbditos que, perante Ele, o idolatram e lhe suplicam misericórdia; os súbditos, esses, são almas simples, vagueando nas suas complexas tarefas terrenas no mundo dos Homens. Fosse o local outro e até se poderia dizer que estava um belo dia, mas o dia, ou melhor, o local, não estava para proferir essa observação. Neste local, bem lá em baixo (ou em cima, depende), na terra, no mundo dos Homens e das almas, o ambiente era de tensão, muita tensão; e o Sol, esse, continuava muito distante e, ao mesmo tempo, perto demais, exercendo as suas funções de Ser omnipresente e omnipotente, para uma vez mais ser testemunha da maldade das almas, mas sabe que não foi ele que a criou, e dai “limpa as suas mãos” – já diria o outro –, e continua cumprindo-se no seu propósito. No chão, perto de um pequeno, velho e pobre armazém pré-fabricado, cai uma pequena folha, levada ou trazida pelo vento, dependendo da perspectiva de quem de um lado ou de outro se coloca – tivesse ali alguém passado e teria lido nessa: 9 de Outubro. À folha, e depois de ser pisada por um pequeno pé, o vento trata de a levar de novo, numa viagem que só o Sol poderá testemunhar o destino. Primeiro, um pé e depois o outro, primeiro, uma pancada seca e depois outra, e assim, neste compasso, até penetrar o barraco; entra uma dessas simples almas, como de um autómato se tratasse – certamente, corre para a ordem de outrem, mas a outra tem nome – é Félix Rodriguez – e tem pais, que esse nome lhe deram – a mãe CIA e o pai José Barrientos. Dentro do armazém está escuro, húmido e muito abafado, o cheiro é a madeira podre, em três passos largos, dados já dentro do mesmo, chega o autómato junto de uma outra alma, mesmo agachada, de cabeça entre os joelhos, essa È grande, enorme, gigante, a maior que já viu, pensa este para si mesmo, enquanto tenta dizer algo, mas as palavras teimam em sair do pensamento, parece que perderam a vida, não têm força; tenta, tenta e tenta ainda; e, por fim, trémulo, diz: chegou a hora! Nesse instante, a alma gigante, imóvel, impenetrável, inatingível, nada diz e nada faz; para segundos depois, levantar a cabeça, e com os olhos acompanhar o movimento e a sintonia entre estes, corpo e olhar, é harmoniosa; agora, fixa os olhos do autómato, não diz nada e nada faz, mas continua fixado, os olhos dele nos do autómato, brilham os do outro, gritam amor os deste, aí começam a chorar os do segundo, enquanto, os dele, exaltam amor, humildade, fraternidade e humanidade; o outro não aguenta e sofre, é demasiado para a sua simples constituição e roda sobre si, leva as mãos ao rosto e sai devagar, arrastando os pés num chão empoeirado.


Em poucos segundos, e depois da alma dos recados passar a porta do armazém, de mãos no rosto, num soluçar dizendo: nunca vi nada assim, não é uma alma, não é uma alma, não pode ser, é um Homem, um verdadeiro Homem; num quase imediato, em passos mais destemidos, mais secos, mais violentos, seguindo-se uns aos outros, avança a alma de Félix Rodriguez, carrega consigo algo, algo que parece confortar nos seus braços. O tempo parece abrandar, agora tudo corre num movimento lento; e aí, estivessem atentas, as outras almas ali fora presentes, não fosse a tensão em que estão embebidos distrai-los, e teriam reparado num momento em que um raio do Sol incide directamente sobre o relógio no pulso da alma andante carregando algo em braços, e fosse a visão a de uma águia que por ali voava, a deles, reparavam nas horas que este marcava: doze horas e trinta minutos ou, diriam outros, meio-dia e meia. O tempo parece avançar devagar, menos a vontade e a ganância de Félix Rodriguez; mesmo quando sente o cheiro a madeira apodrecida, quando alcança o interior do armazém, não cede ao olfacto que pede que abrande, vai decidido, pensa que ninguém o pode demover da tarefa que seus pais o incumbiram de realizar, sente-se demasiado orgulhoso de si mesmo para abrandar, considera-se um digno carrasco, está sedento de morte, de sangue, de tirar vidas. O tempo, que caminhava lento no seu percurso, agora pára, como se os relógios do tempo tivessem parado, o tempo cessou – diria alguém –, e a alma que Félix Rodriguez pensaria encontrar sentada, de cabeça baixa, tremendo de medo, implorando por misericórdia, como, aliás, quase sempre encontrara as suas vitimas, está de pé, de pé como um cavalo, hirto como uma estátua, calmo e sereno como uma árvore de ramos esvoaçando ao vento, de cabeça levantada, mas nada diz e nada faz, olha apenas, penetra nos olhos de Félix Rodriguez e rosna bravura, coragem e um destemor de impressionar até mesmo uma pedra; e nada diz e nada faz. Noutro instante, em que o tempo volta a andar e a fazer o seu percurso, aguarda, só resta aguardar que se cumpra a sua premonição – Se tenho que morrer será nesta caverna (...). Morrer, sim, mas crivado de balas, destroçado pelas baionetas. Uma recordação mais duradoura do que o meu nome, é lutar, morrer lutando.

Depois de uma rajada de tiros que revelavam o algo que Félix Rodriguez trazia em braços e de um largo tempo aguentado em pé, cai, durou a cair, mas cai, o corpo cede, do corpo cravado de balas e de buracos sai, agora, sangue, num mais puro dos vermelhos, imaculado, livre de impurezas, limpo como a mente que ali se vai apagando, devagar, devagar, lentamente como o tempo que volta, nesse instante, novamente a abrandar; e já o corpo cedera, cede por fim a mente, cessa o pensamento, mas os olhos, esses, continuam exprimindo e relembrando a Félix Rodriguez, incapaz de deixar de olhar, que a coragem, a resistência e a luta só têm uma cor, e essa cor é o vermelho do sangue, a cor rubra, a cor do coração, da carne, do amor, da paixão, da justiça, da verdade e da liberdade; e, noutro instante, o tempo volta de novo ao seu caminho, caminhando, caminhando.


Caminhando, o tempo percorreu o espaço, ora umas vezes mais lento, ora umas vezes mais rápido, caminhou quarenta anos e sempre a seu lado, companheiro e camarada, esteve o Sol; os dois são as únicas e eternas testemunhas dos passos dos homens, da vida, da morte no palco da terra; e quarenta anos volvidos, os dois inseparáveis, o Tempo e o Sol, testemunham mais uma vez, e sempre, a força da coragem, da resistência e da luta de que os Homens gigantes são capazes perante almas tão pequenas.
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Por seu lado, o Sol, essa gigante estrela solidária, enquanto o seu Fidel amigo, o Tempo, existir (que será até à eternidade), nascerá todos os dias, para todos, e a todos dirá sempre, nessa alvorada, Olá!, ou como preferimos, no espanhol argentino, Che!...Che!...Che!

¡Hasta La Victoria, Siempre!
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¡Hasta Siempre Comandante!
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por Gonçalo Tomé (Koba)

2 comentários:

Unknown disse...

Quero em primeiro lugar agradecer por este maravilhoso momento que me fizeste passar ao ler este teu post.Confesso que acabei arrepiado e um pouco emocionado .
Eu digo isto muitas vezes e principalmente ao meu pai que é minha fonte de inspiraçao maior,´´tudo que pessoas como Che Guevara,Alvaro Cunhal e tu (meu pai)fizeram e continuam a fazer so tem valor se pessoas como eu e muitos como eu continuarmos a a vossa luta e de certeza que sempre que acha pessoas como nós ,os nossos ideiais nunca acabaram``.
Hasta la victoria siempre.

Bernardo Tome disse...

Senti em Cuba o amor que o povo cubano tem por tamanhas personagens historicas, Che Guevara e Fidel Castro, de tal maneira que ainda hoje oiço murmurinhos na mente que gritam "Che...Fidel...barbudos..."!

Um texto explicito para aqueles que sentem nas veias a força e o orgulho de ser comunista e continuar a luta todos os dias, sem nunca perder o sonho no horizonte! Hasta la vitoria siempre